5 de fevereiro de 2012

Acto Terceiro

O que aconteceu…? Dói-me a cabeça… Tantas recordações de repente… Tenho de ir buscá-la… A ela principalmente… Finalmente… Percebi… Tenho só de sair… Daqui… Porque não… Consigo levantar-me…? Que coisa é esta que me aprisiona… A minha visão continua turva, mas continuo a cheirar o aroma das flores… Ainda estou no santuário… Claro, quem é que me levaria daqui… Idiota, pensar que tal coisa poderia acontecer… Mas agora tenho de sair… Tenho de sair daqui…
Eu quero… Eu quero outra coisa, pela primeira vez em muito tempo quero outra coisa diferente, bem diferente… Quero correr para os braços dela, quero sentir o seu toque, o cheiro da sua pele, quero ver o brilho do seu olhar, mesmo que a minha pouca visão não mo permita… Quero poder fechar os olhos e saber que estou seguro, finalmente sei o que quero… Sinto-me feliz com este pensamento, sinto-me leve… Quero correr para os braços dela, daquela que eu amo, indiscutivelmente, sempre amei, só estava demasiado cego para o perceber… Ela ajudara-me a superar tudo, porque motivo me deixei ir tão fundo, porquê? Porque pensei que tudo tinha de acabar porque eu queria? Sou tão tolo… Tanta coisa cruel que me passou pela cabeça, e para quê? Para nada… Agora quero sair daqui, sei que ela vai lá estar para me receber, mesmo do outro lado da porta, basta atravessá-la, mesmo que me vá a arrastar, mesmo que tenha este ar lastimável, mesmo que pareça mais morto que vivo, sei que ela vai pegar em mim e levar-me para casa… Para a minha verdadeira casa… Eu sei que sim…
Arrasto-me, por uma vez na vida desejo que a madeira deste sítio não esteja tão má, desfaz-se perante o toque dos meus dedos… Olho para as flores, e penso em como seria bonito levar uma para ela… Amarela, tal como a Luz que o Sol erradia sobre todos os seres vivos e não vivos, volto então atrás para colher tão belo ser da Natureza. Não consigo levantar-me, mas porquê? A porta está tão perto, e ao mesmo tempo tão longe… Ela está do outro lado, eu sinto que sim, é só atravessar aquela porta, que fica mesmo na minha frente, só tenho que me arrastar… Num último esforço de desespero, levanto-me, mal aguento com este corpo inerte, quanto mais com o peso da minha alma nele mesmo. E acabo por cair outra vez… Estou mais perto, apesar de tudo, falta um bocado, nada de mais, eu consigo, vamos lá… Desespero a esta espera enorme a que estou submetido, e finalmente a alcanço, a porta de um Mundo novo, a porta da Mudança, a porta do Recomeço, basta esticar a mão para a maçaneta dourada… Do outro lado ela espera por mim… Algo atravessa a minha face de um lado ao outro, e inconscientemente, uma gargalhada irónica é produzida pela minha Loucura constante, mas que não parece vir de mim… Abro a porta, e finalmente a vejo… Eu sabia que estarias aqui para mim… Eu sabia… Vem, chega-te aqui, abraça-me, só te peço isso, e leva-me contigo…
Mas… Não, não és ela! Sai, vai-te, SAI! Não agora, porquê?! Tantas vezes chamei por ti, porque só vieste quando finalmente me tinha encontrado? Pára, por favor, deixa-me viver com esta Loucura, é minha, não me queiras levar isso também, já me levaste quase tudo! E ela está à minha espera, eu sei… O que dizes…? Não… Não acredito em ti… Não acredito, não podes, ela está à minha espera, não, pára, larga-me, tu de vestes negras que seduzes as pobres e moribundas almas como eu, por favor, não faças isto…
Mas ela fez… E acabo aqui, com a porta entreaberta para quem quiser poder observar a minha desgraça, o meu corpo despromovido de qualquer Loucura, despromovido também de qualquer alma, qualquer sinal de vida… A flor amarela jaz sobre o meu peito, mas já não é amarela… Está morta, tal como eu… Fica de aviso para quem mais ousar desafiar a minha Deusa… Ó se Deusa és… Levaste-me para bem longe daqui… Mas ao menos… E uma vez mais deixo soltar uma gargalhada irónica dos meus lábios, e olho para trás, e vejo um corpo jazido no chão, coberto de flores amarelas, e contínuo em frente, de mão dada com ela, com a minha Deusa, que afinal, não passava daquela que eu mais desejava… A Loucura, essa, deixei-a para a mulher das vestes negras que me levou (e que afinal, não passava disso mesmo, a mulher das vestes negras), finalmente, para a cura do meu sofrimento e um grande obrigado por tudo…

 FIM

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