1 de fevereiro de 2012

Acto Segundo

      Olá… És muito bonita, não és? Sim, sem dúvida alguma de que és… Quem és tu, dizes-me? Quero saber, podes-me contar? Porque tens os olhos negros? Porque não me respondes? Não me deixes ansioso, diz-me quem és, por favor, ou fala comigo, já não falo com alguém há demasiado tempo, por favor, imploro-te, não me deixes, não me vires as costas, não, por favor, não, NÃO!!!
      Olá… Eu já te vi antes, não já? Quem és tu? Gosto de ti, sabias? Não, não sei porquê, mas gosto… Do que mais gosto? Gosto do teu cabelo negro, por exemplo. É tão belo… Sabes, sempre pensei que fosses assim, sabias? Pois, eu também pensei que não soubesses. Estás aqui há muito tempo? Está bem… E eu? Sabes há quanto tempo estou aqui? A serio?! E estive sempre a dormir? Mais ou menos? Como assim? Chamem por quem? Não me recordo… Na verdade, não me lembro de nada… Lembro-me vagamente de ti… Mas não sei mais… Será por estar neste local? Também me lembro deste sítio, mas nunca o vi tão belo, tão puro…
    Olá… Que aconteceu…? Estou sozinho… Acho que sempre estive só… Que é isto que eu sinto…? A quem disse olá? Aquele sou eu? Posso ir ajudá-lo? Ou ajudar-me, se sou eu…? Não? Porquê? E porque estou a falar comigo mesmo? Porque ouço tantas vozes dentro da minha cabeça? Porque está tudo escuro? Porque é que tudo isto está a acontecer outra vez? Eu estou morto? Não, não posso estar, se estivesse, não sentiria peso, não sentiria responsabilidade por nada, mas no entanto, sinto… Não sei bem pelo quê, mas isso também não interessa nada… Ou interessa? Quem sou eu? Acho que me esqueci da minha própria identidade… Não tem mal, pode ser que assim não seja eu, e que possa partir para outro lugar…
    Que cheiro é este… Cheira-me a… flores? Não, não pode ser… Pensei que já estaria a salvo, eu senti-me a cair… Estou mais perto da realidade, é isso? Olá… És muito bonita, não és? Sim, tu, tu que… Mas que raio… Não me lembro de ter pensado isto, não me lembro sequer de ter desejado alguém assim… Que confuso… Talvez tenha de ser assim… Mas porquê? Poderei ser salvo? Estou consciente? Tenho consciência? E este cheiro…
    Hmm… Sabe tão bem… Continua, por favor… Não, não quero abrir os olhos, quero continuar assim, de olhos fechados, no teu colo, a levar com as tuas carícias ternurentas, sentir o cheiro da tua pele… Acho que pela primeira vez, sinto que estou a falar a verdade… Talvez queira ficar aqui por mais tempo, só para poder sentir isto, é tão bom! Não, não me faças abrir os olhos, decididamente estou bem aqui, sinto algo a nascer dentro de mim…
   Silêncio… Uma menina cantarola por aí algures, consigo ouvi-la a interromper o meu tão estimado silêncio… Ouço-a a aproximar-se, com a sua leve voz que levemente é trazida pelas correntes de ar que sopram na minha direcção… Levemente ao de leve levanto a cabeça e olho em redor, mas só ouço uma voz a cantarolar… Afinal não há menina… Será o meu arrependimento, que chegou para me atormentar? Mas não pode, a voz dela é tão bonita… Mas não há nenhuma ela, pensei que isso já estivesse esclarecido… E canta, e canta, e canta… 
    Que gosto é este que me assalta os lábios? Sim, quero, vem cá e dá-me mais, quero, vem, dá-me, seduz-me, tu, mulher na minha frente, quero, vem, dá-me, por favor… Quero mais, deixa-me provar os teus lábios uma vez mais, por favor, imploro-te… Não, não podes, não sabia, não podes levá-los de mim, eu não o permitirei, pára, por favor, os meus olhos libertam tudo o que me deste, vê como eu choro! Não os leves de mim, por favor! Se mos tirares de mim, eu enlouqueço… Sim, preciso muito deles… De todos eles… Não mos tires…
    Mas tirou…

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