30 de janeiro de 2012

Acto Primeiro

    Estou só. Rasgos de luz entram neste santuário em ruínas. Curioso, chamar-lhe assim, por este nome tão ingrato e não haver mais que madeira podre e pedra bicada pelo tempo, corroída, moribunda… Tal como a minha pessoa… Ou eu, como for preferível. Não falo por ninguém, para ninguém, apenas para a esperança… Pensando bem, talvez fale para alguém… Imploro constantemente à minha Deusa que me leve daqui, que me deixe de apoquentar a alma com estes pedidos insólitos que me fazem continuar a vaguear por aí, na esperança de a encontrar… A esta Deusa mítica que para mim é, esta Deusa que me faz ter todas estas alucinações, todos estes conceitos de Vida e Desespero, apenas quero sair, apenas quero realizar a libertação desta alma ingrata que no meu corpo habita para o exterior, para o descanso eterno…
    Poderei ser louco por tais coisas me passarem pela cabeça, mas eu gosto da minha Loucura, como eu a amo! Loucura, uma palavra tão inocente aos olhos dos sãos, mas tão clara para mim, tão desejosa de mim, tão… Suspiro mais umas golfadas de ar, esperando serem as últimas… Abro os meus olhos quase cegos e vejo um enorme buraco no chão, mesmo à minha frente, e quero atirar-me para ele, na esperança de que seja o buraco que me irá ceifar a vida, e atiro-me, tão louco que sou, moribundo, desejoso para que a grandiosa Morte me leve juntamente com a sua Ceifa, quando tiver arrancado aquela pobre alma que ainda reside no meu corpo desta Vida estúpida e ignorante!
    Se ao menos a minha Deusa me desse ouvidos… Mas não, continua a ignorar-me, continua a desprezar-me, não só a mim, mas também aos meus tão desejosos quereres que me acompanham na minha inútil vida… Porquê, porque é tão difícil satisfazer as necessidades de uma pobre alma como a minha?
   A queda no abismo da minha cabeça, não resultou bem no que eu esperava. Era só um buraco no soalho podre (coberto de flores, que inutilidade…) da tal ruína a que alguns chamam de igreja. A ruína parecia-se com uma, quero eu dizer.
    Estou cansado, quero adormecer… Quero adormecer para sempre… Quero desaparecer, quero deixar de ver tudo turvo, quero não ver, quero não sentir, quero nunca mais apelar à minha Deusa…
   A minha Deusa… Desejo-a tanto… Não fosse ela a minha Deusa… E há tanto tempo que apelo por ela… Alguns apelam por um Deus inexistente, até agora nunca o vi, nunca o senti, nunca se mostrou de maneira alguma… Mas a minha Deusa… É diferente, muito diferente… Já a senti tantas vezes… Já a vi perante a minha fronte tantas vezes… Vezes demais, era o que eu pensava de cada vez que ela me aparecia à frente… Mas agora, que quero tanto que ela me visite uma vez mais, ela ignora-me, e ri-se de mim por cada vez que invoco o seu nome nestes momentos de desespero, que me levam a uma Loucura ainda maior, que me fazem querer sair deste estúpido edifício podre, tal como eu…
   A Loucura vence-me, sinto-me a cair, sinto-me a adormecer, sinto os olhos a fechar, será que finalmente a minha Deusa me ouviu e correu para os meus braços…?

4 de janeiro de 2012

Ser e Não Ser

Querer ser-se aquilo que não se é.
Vir a ser aquilo que nunca se quis.
Ser e não ser.
Sonhar em vir a ser.
Talvez, quem sabe, serei?
Mas eu sou.
Sou aquilo que sempre fui.
Fui aquilo que nunca pensei ser.
Serei então aquilo que tiver de ser.
Ser e não ser.
Pensar o que se é,
Imaginar como se seria,
Se não se fosse como se é.
Ser e não ser.
Serei?
O quê?