O que aconteceu…?
Dói-me a cabeça… Tantas recordações de repente… Tenho de ir buscá-la… A ela
principalmente… Finalmente… Percebi… Tenho só de sair… Daqui… Porque não… Consigo
levantar-me…? Que coisa é esta que me aprisiona… A minha visão continua turva,
mas continuo a cheirar o aroma das flores… Ainda estou no santuário… Claro,
quem é que me levaria daqui… Idiota, pensar que tal coisa poderia acontecer…
Mas agora tenho de sair… Tenho de sair daqui…
Eu quero… Eu quero
outra coisa, pela primeira vez em muito tempo quero outra coisa diferente, bem
diferente… Quero correr para os braços dela, quero sentir o seu toque, o cheiro
da sua pele, quero ver o brilho do seu olhar, mesmo que a minha pouca visão não
mo permita… Quero poder fechar os olhos e saber que estou seguro, finalmente
sei o que quero… Sinto-me feliz com este pensamento, sinto-me leve… Quero
correr para os braços dela, daquela que eu amo, indiscutivelmente, sempre amei,
só estava demasiado cego para o perceber… Ela ajudara-me a superar tudo, porque
motivo me deixei ir tão fundo, porquê? Porque pensei que tudo tinha de acabar
porque eu queria? Sou tão tolo… Tanta coisa cruel que me passou pela cabeça, e
para quê? Para nada… Agora quero sair daqui, sei que ela vai lá estar para me
receber, mesmo do outro lado da porta, basta atravessá-la, mesmo que me vá a
arrastar, mesmo que tenha este ar lastimável, mesmo que pareça mais morto que
vivo, sei que ela vai pegar em mim e levar-me para casa… Para a minha
verdadeira casa… Eu sei que sim…
Arrasto-me, por uma
vez na vida desejo que a madeira deste sítio não esteja tão má, desfaz-se
perante o toque dos meus dedos… Olho para as flores, e penso em como seria
bonito levar uma para ela… Amarela, tal como a Luz que o Sol erradia sobre
todos os seres vivos e não vivos, volto então atrás para colher tão belo ser da
Natureza. Não consigo levantar-me, mas porquê? A porta está tão perto, e ao
mesmo tempo tão longe… Ela está do outro lado, eu sinto que sim, é só
atravessar aquela porta, que fica mesmo na minha frente, só tenho que me
arrastar… Num último esforço de desespero, levanto-me, mal aguento com este
corpo inerte, quanto mais com o peso da minha alma nele mesmo. E acabo por cair
outra vez… Estou mais perto, apesar de tudo, falta um bocado, nada de mais, eu
consigo, vamos lá… Desespero a esta espera enorme a que estou submetido, e
finalmente a alcanço, a porta de um Mundo novo, a porta da Mudança, a porta do
Recomeço, basta esticar a mão para a maçaneta dourada… Do outro lado ela espera
por mim… Algo atravessa a minha face de um lado ao outro, e inconscientemente,
uma gargalhada irónica é produzida pela minha Loucura constante, mas que não
parece vir de mim… Abro a porta, e finalmente a vejo… Eu sabia que estarias
aqui para mim… Eu sabia… Vem, chega-te aqui, abraça-me, só te peço isso, e
leva-me contigo…
Mas… Não, não és ela!
Sai, vai-te, SAI! Não agora, porquê?! Tantas vezes chamei por ti, porque só
vieste quando finalmente me tinha encontrado? Pára, por favor, deixa-me viver
com esta Loucura, é minha, não me queiras levar isso também, já me levaste
quase tudo! E ela está à minha espera, eu sei… O que dizes…? Não… Não acredito
em ti… Não acredito, não podes, ela está à minha espera, não, pára, larga-me,
tu de vestes negras que seduzes as pobres e moribundas almas como eu, por
favor, não faças isto…
Mas ela fez… E acabo
aqui, com a porta entreaberta para quem quiser poder observar a minha desgraça,
o meu corpo despromovido de qualquer Loucura, despromovido também de qualquer
alma, qualquer sinal de vida… A flor amarela jaz sobre o meu peito, mas já não
é amarela… Está morta, tal como eu… Fica de aviso para quem mais ousar desafiar
a minha Deusa… Ó se Deusa és… Levaste-me para bem longe daqui… Mas ao menos… E
uma vez mais deixo soltar uma gargalhada irónica dos meus lábios, e olho para
trás, e vejo um corpo jazido no chão, coberto de flores amarelas, e contínuo em
frente, de mão dada com ela, com a minha Deusa, que afinal, não passava daquela
que eu mais desejava… A Loucura, essa, deixei-a para a mulher das vestes negras
que me levou (e que afinal, não passava disso mesmo, a mulher das vestes
negras), finalmente, para a cura do meu sofrimento e um grande obrigado por
tudo…
FIM
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